sábado, 11 de fevereiro de 2017

I predicted a riot: panic on the street of London

Com todo esse caos ocorrendo nesses dias no Brasil, caos da violência escancarada, tenho que contar a semana de medo que passei em Londres, sim a "riot" que aconteceu em agosto de 2011.

Morava com Anjo? (eu sei, ainda não falei muito dela e esse ponto de interrogação só deixa curiosidade) e trabalhava no mesmo emprego, só mudei de prédio e não tinha tantos portugueses me infernizando, apesar do meu supervisor ser um português, mas até gente boa.

No sábado à noite, 6 de agosto, saí com o pessoal da escola. Fomos, na verdade num Congresso de Cultura Brasileira na Europa, o Focus Brasil, depois da discussão do Congresso houve o coquetel e resolvemos emendar uma balada. Grande balada rs fomos parar à 1 da manhã num McDonalds em Putney. De lá peguei um bus pra casa e fui de boa dormir, não soube de nada, só no dia seguinte, dia 07 que haviam boatos de que um negro tinha sido morto por policiais no norte de Londres.

Até aí parecia uma história estranha para quem não vivia preconceito racial, como eu, "só" de nacionalidade, não consegui imaginar Londres imitando Los Angeles ou qualquer cidade grande e racista norte-americana...

Anjo disse que comentou com a irmã que com o norte de Londres as coisas iriam descambar, que lá as coisas eram mais complicadas, havia uma ferida aberta.

Se vocês lembram, morei no norte de Londres por alguns meses, na casa do GG, e percebi que a população era de maioria negra, mas até aí, para mim, não havia nenhum problema, nunca fui uma pessoa de enxergar cor nas pessoas, sempre convivi sem preconceito racial com as pessoas...

Fui para o show do Morrissey naquele domingo, em que Moz chamou o primeiro ministro James Cameron de "camel" e seus fãs riram. Ele comentava justamente sobre a "riot" no norte de Londres.

Voltei pra casa e a coisa estava maior, estava brigando nas ruas, queimando lojas e prédios e uma surpresa nervosa me tocou. Como era possível aquilo numa cidade como Londres? Tão cheia de imigrantes, gente de todas as partes do mundo e que pareciam viver tão bem...

Fui trabalhar na segunda e foi tudo tranquilo, quer dizer, todo mundo foi trabalhar com medo e nos dispensaram mais cedo. Fui pra casa de metrô, estava com medo de pegar ônibus, estavam atacando ônibus e os boatos só deixavam a gente com mais medo.

Na terça avisaram para não irmos trabalhar, nem na quarta ninguém foi. Meus pais perguntavam com medo no telefone o que estava acontecendo e se eu morava ou trabalhava perto.
Não, eu não estava perto de tudo aquilo, mas foi se espalhando pela cidade. Daqui a pouco botaram fogo no centro comercial de Clapham Junction, sul da cidade e onde eu trabalhava às sextas-feiras na casa da Puffy Shirt e estava preocupada.

Ficava em casa, não ia estudar no parque como sempre fazia e ver a TV era ser torturada, ficava com mais medo... eu já tinha me desacostumado a ver as desgraças via TV. As notícias policiais eram muito pequenas na TV londrina, o que mais eu via de violento era a guerra na Síria, que infelizmente dura até hoje...

Na sexta as coisas se normalizaram, o pessoal que aumentou toda a confusão, estavam sendo caçados pela polícia britânica. Quando cheguei em Clapham Junction havia um telão mostrando as fotos dos arruaceiros, fotos pegas pelas câmeras de segurança da cidade. Muita gente denunciava, inclusive pais de pessoas, vejam só, refugiadas políticas que moravam lá... outra mãe que denunciou o filho, ele ia para as Olimpíadas e ela pedia para que ele não fosse depois da vergonha que lhe causou.

Via as lojas fechadas e marcadas pelo fogo em Clapham, fiquei triste pela loja de fantasias que sempre eu passava e ficava olhando algumas engraçadas, mas fiquei triste por toda a cidade e vi que um país civilizado também pode perder o controle quando não cuida bem de questões que ficam sendo sufocadas. É assim que vejo essa parte "norte" de Londres: era uma panela de pressão pronta a estourar.

Vou fazer um post sobre as diferenças que vi entre os estrangeiros, não para criticar países e povos, nem vou citar quais sejam, mas para mostrar que as diferenças, às vezes, não conseguem ser respeitadas do melhor modo por cada cultura não ser só diferente, mas muitas vezes impregnada de conceitos e morais não tão boas, como cansei de falar dos brasileiros...

Eu passei a semana cantarolando a música do Kaiser Chiefs "I predict a riot" e lembrando do verso dos Smiths "panic on the street of London..." rs

domingo, 5 de fevereiro de 2017

Eu, Daniel Blake: a pura realidade e os benefícios ingleses

Vi hoje a "I, Daniel Blake" e muita coisa do sistema inglês me fez rememorar coisas que aconteceram comigo.
Vocês devem se lembrar da questão "insurance number" e conta bancária, se não lembram, o link está aí.
Tudo me lembrou muito o que passei para conseguir ser uma cidadã, imigrante, mas uma pessoa, não um número ou seja lá como nos veem. Imagina quando você é um cidadão inglês de direito... você está dentro dos seus direitos e só recebe deveres, deveres irracionais, perguntas imbecis, desconfiança.

A verdade é que o sistema inglês é muito defensivo, como você vê no filme. Você tem sempre que provar tudo e mais um pouco. Eu me lembro como fiquei desanimada, frustrada para conseguir o insurance e não conseguir quem me ajudasse.
No filme a moça, Katie, diz que as pessoas em New Castle são muito mais gentis do que em Londres, realmente... eu só fui perceber isso quando fui para Irlanda e Escócia, mas isso é outra história, para outro dia, o que quero falar sobre isso é exatamente essa falta de gentileza das pessoas: isso mata aos poucos... quando você é honesto (meu caso e de mr. Blake) e estão desconfiando de você enquanto ilegais conseguem tudo por outros meios, mas conseguem.

Não vivi esse período em que as pessoas estão perdendo suas casas do governo como acontece com Katie. Explico:

Há uma lei inglesa que diz que se você é uma moça solteira e tem filho, você  tem direito a uma casa do governo. Não quer dizer que você não pague essa casa, paga. Menos que um aluguel normal, mas se paga. Acredito que no filme Katie esteja dentro dessa lei de benefício.
Quando estava para voltar ao Brasil, havia estourado a questão da máfia das casas alugadas (aquela questão que a pessoa consegue do governo e subaluga ao preço que quiser e quem aluga pode "subsubalugar" os quartos). Essa máfia estava sendo descoberta e parece que a coisa iria feder para os beneficiários (pelo menos espero que para os safados).

Os benefícios ingleses dão casas de aluguel por esse preço menor aos mais pobres, e cidadãos europeus da comunidade europeia e cidadãos europeus que não nasceram na Europa, mas estão há mais de 3 anos na Europa.
Se eu tivesse ficado, poderia ter tentando conseguir um studio flat, o que estaria de muito bom tamanho para mim, mas hoje essa lei deve cair, já que a Inglaterra pediu saída da comunidade europeia.
Dão benefício a você ter um salário que complemente o seu salário se não chega a 100 libras por semana.
Dão benefício se você é sem teto e pode morar num hotel custeado pelo governo e que se paga também um pouquinho ou é totalmente bancado pelo governo. Deve ter sido desse albergue que Katie também fala que morou.

Vejam que há muitos benefícios interessantes para proteger a população britânica, o problema é que o cerco se fecha para se conseguir esses benefícios.

No filme você vê o quanto é burra a burocracia e quanto os personagens sofrem para conseguir o mínimo de dignidade através dos agentes governamentais que fazem pouco caso e são extremamente frios e impacientes.
Isso eu sentia muito, porque não adianta você ter um motivo, tentar conversar, eles não ouvem mesmo. Não é como no Brasil que você conta uma história triste e amolece o pessoal, não, eles não amolecem! E eu sentia muita falta desse "amolecimento" brasileiro, porque é duro você tentar expor suas dificuldades e a outra pessoa só dizer: fuck off! Era praticamente isso e o filme mostra bem.

Teve um perrengue que passei quase antes de vir embora, eu ia contar no momento que chegasse na minha narrativa, mas o filme me faz contar agora.

Trabalhava no outro prédio que não o Império do Fado, como contei da última vez, comecei a trabalhar com alguns portugueses, colombianos e ucranianas. 
Um dos gerentes da empresa ainda era aquele português que deu sinal para o outro quando coloquei na minha ficha que havia tido depressão - deu sinal querendo dizer "melhor não contratar".
Ele não devia mais se lembrar disso e foi com a minha cara, talvez do mesmo jeito que o amigo que era noivo, lembram?
Se não lembram, o amigo que me deu o emprego parecia ter se interessado por mim, sempre era legal comigo até o dia que o vi com a noiva - de aliança e tudo - no metrô e fingiu não me conhecer rs


Voltando, o cara perguntou se eu queria trabalhar umas horas a mais por duas semanas, cobriria as férias de uma menina num prédio encostado na Victoria Station, o que daria uns dois pontos de ônibus de onde eu trabalhava e daria pra emendar: iria trabalhar das 8 às 17 e entraria no meu trabalho às 18, como sempre. Daria pra ir caminhando fácil. Aceitei! Era tudo que eu precisava para ganhar mais um pouco e juntar dinheiro para a famosa viagem pela Europa que queria fazer, eu não poderia perder essa de jeito nenhum!

Depois conto como foi o trabalho, que era com aquele maravilhoso carrinho de limpeza, limpando o dia todo os banheiros e copas de uns 4 andares que cada um tinha duas alas.

Quando, toda feliz, fui receber esse dinheiro no meu pagamento o que aconteceu?
Não é possível como acontecia tanta desgraça comigo, né?

O dinheiro foi comido pelo leão britânico... sim... eu mal ganhava para mim quanto mais para pagar quase tudo em imposto de renda.
Fiquei sem chão. 
O QUE ACONTECEU COM O MEU DINHEIRO QUE TRABALHEI TANTO PRA GANHAR? E MINHA VIAGEM???
Tive que conversar com todo mundo no trabalho para me dizerem que foi algum erro em algum dos formulários onde trabalhei, que era preciso eu ir em todos os lugares onde estava em aberto o formulário de trabalho para ver em qual estava errado...
Não descobri qual estava errado... talvez a de limpeza das mudanças, onde fui e pedi minha ficha, formulário... whatever! dei baixa para não ser cobrada por isso...
Enquanto eu deveria estar num tipo de desconto, ou seja, zero, estava numa numeração em que tinha que pagar o imposto.

Foi simplesmente um inferno!
Fui a vários lugares que me mandaram para resolver isso, ia de um lado pro outro, ia na sede da antiga empresa do Império do Fado, fui na sede da empresa atual... ninguém resolvia, muito menos o local do governo responsável por isso...
Eu só queria saber onde estava meu dinheiro que suei tanto e sofri tanto para conseguir e nada...

Anjo?, a mulher que morei por último, era autônoma e tinha um contador, me levou até ele para resolver o caso.
Consegui receber uma parte ainda lá, mas só quando estava no Brasil, depois de meses é que recebi o restante, descontado impostos e taxas por ser enviado para outro lugar o que deu uns 100 reais... não mais que isso...

Sei bem o que Daniel Blake sentiu, sei bem o que é ser honesto e não ter razão num país extremamente fechado para o diálogo e que não percebe o quanto é imbecil sua burocracia. Sei o que é passar muita raiva e sofrer só mais um pouquinho para ter certeza que Londres não era meu lugar.