sexta-feira, 19 de setembro de 2014

A Roommate do Bem

Ainda não contei sobre ela, né?

Bem, a Roommate foi uma das poucas pessoas que me dei bem em Londres. Brasileira com cidadania europeia como eu, dividimos a mesma beliche: como ela chegou primeiro, pegou a cama debaixo e eu a de cima... eu não era a única que sofria dormindo no mesmo teto com dona Bruxa do Centro-Oeste... sim, éramos 3 pessoas pagando 50 libras por semana pelo nosso pedacinho do chiqueiro...

Como ela era um pouco mais nova que eu e estava lá já há uns 6 meses pelo menos, já tinha alguns amigos por lá, ficado com alguns estrangeiros (coisa que a Marciana tinha grande curiosidade em saber... ela, a santa... perguntou uma vez se era melhor o italiano que o brasileiro... Roommate desconversou e só disse: é diferente).
Ela já conhecia a cidade melhor que eu, saía e comecei a ter finais de semana mais animados indo a pubs e casas noturnas, conhecendo a noite londrina. Um grande passo, não?

Nos conhecemos quando voltei do Natal em Portugal, e passei aquele ano novo de frente pra London Eye, super empolgante! Ela estava comigo naquele dia digno de lembrança...

Ela tinha dois empregos, teve sorte de ter subido de cargo na empresa de clean que trabalhava: ela era monitora de limpeza durante o dia (aquela pessoa que passa o dia limpando, checando tudo no escritório - nos andares, sabe? bem, eu fiz isso também e conto direitinho quando chegar a hora...) e à noite limpava outro escritório perto do meu, só que saía mais cedo desse - era de 2 horas e o meu de 3h. Trabalhávamos perto da Victoria Station, uma espécie de região como o centro antigo de São Paulo, a República: centrão cheio de prédios de escritórios. O meu era do TfL (Transport for London) - o Império do Fado perto da Scotland Yard -  o dela era um local que alugava escritórios para vários ramos diferentes, bem diversificado.
Um cara que foi embora largou até um livro que ela pegou pra mim, imaginou que eu iria gostar:



E gostei! Parece que eu nunca deixo transparecer meu gosto musical... rs

Tínhamos os finais de semana vazios a serem preenchidos, ela, como já estava em Londres a mais tempo, já tinha aprendido isso: preencha seu final de semana porque ficar num quarto em que a única coisa sua são suas coisas e a cama que paga é muito deprê!

Um dos primeiros finais de semana que saímos, precisei, antes, ir até à casa do GG para buscar correspondência, ainda não tinha mudado o endereço do emprego, por exemplo, e meu holerite estava lá.
Encontrei Pureza acabada fazendo salgados e bolos pra festas... ela nos olhou, arrumadas, com uma cara de "que sorte a sua!".
Roommate comentou comigo que achou a menina acabada - apesar de ser mais nova que nós duas - e que isso não era vida pra um sábado à noite.

Pensei muito depois na Pureza, coitada, ela saiu do interior de Minas para não viver a mando da mãe num salão de cabeleireiros e estava agora, a mando do GG em Londres, dentro de uma pequena cozinha, suada, cansada. Porque, estava na cara que ela era ilegal lá, GG era casado (ou foi) com uma italiana (ou brasileira com a cidadania) pra ter cidadania e estar lá, alugando casas (dos outros...).
Fiquei pensando que não via vantagem na vida que ela levava, a não ser ter um IPhone rs

Voltando a Roommate,  a partir dali, não tive mais finais de semanas vazios, só os que não saímos juntas por falta de dinheiro ou outras coisas, mas ainda assim andávamos por locais próximos. Como ir a lojas de departamento em Brixton (que era perto) e pegámos a raspa do tacho do Boxing Day. Em Brixton também há muitas lojinhas "internacionais" com opções de se poder comprar coisas de imigrantes dos mais variados lugares. Nosso preferido?
Claro, o loja e açougue português! Tinha coisas brasileiras também, como ovo de páscoa rs

Apesar da fama de Brixton nos anos de 1980 com a música do Clash, muita gente que não viveu essa época em Londres, porque chegou depois, ainda era influenciada pela fama de outros tempos e cheguei a ouvir coisas do tipo, imagina se não foi a Marciana rsrs: Brixton é bairro de pretos!
Não sei se já tinha dito isso, mas há um preconceito, por brasileiros, de quem mora em Brixton ou no norte da cidade, imagina quando morei em Dalston, cabelos em pé por ser no norte/nordeste da cidade...
E isso porque era perto de um lugar super badalado: Shoreditch, no bairro de Hackney (berço dos descolados e artistas de rua, Madonna morava por lá, na época casada com Guy Ritchie).

Então, voltando novamente, conheci muitos lugares que não conhecia na cidade e aprendi a não ficar em casa nenhum fim de semana! Eu tinha que aproveitar tudo que Londres tinha, já que a vontade de ir embora de lá era grande, mas precisava pelo menos passar no FCE e até lá, era preciso de válvulas de escapes como o lindo Convent Garden (merece ser visitado!) e seus artistas de vários estilos, artesãos e doces rs
Os pubs da cidade, também comecei a conhecer, apesar de não beber, de vez enquando bebia meia pint (rsrsrs) de Guinness que é a única exceção na minha vida de abstêmica. Os pubs da região da Picadilly, da Leicester Square, do Soho...  Mayfair... nada como a Mayfair...

E aí começou minha insegurança: achando a maior gorda da cidade, ia aos lugares sempre achando que todos os olhares era pra Roommate, não pra mim. Na verdade, minha estima não existia - se é que um dia ela existiu... - e RM (Roommate, mais fácil, né?) é uma pessoa desinibidade, simpática, que realmente chamava a atenção pela extroversão - mas eu só via a linda, magra e alta. Comecei a sair e ficar deprimida, os rapazes não me dava a mínima (mas eles nunca dão, na verdade, o inglês NUNCA chega em você se não estiver extremamente chapado e nesse caso seriam uns 2 barris de Guinness).

Conversava sobre isso com a minha prof de inglês  (que ainda não foi comentada aqui) e ela não me ajudava a me sentir bem, só a me deixar mais pra baixo, porque a prof  se achava a última bolacha do pacote e queria que eu lesse O Segredo...

Íamos nas festas nacionais que rolavam na Trafalgar Square (como a de Saint Patrick) que eram muito legais, íamos a clubes noturnos, como o Tiger Tiger (cheio de brasileiros fingido serem gringos) e eu ri, conversava, mas sempre reparava no cara que vinha falar com ela (não, não eram ingleses). Um chegou a dar o telefone dele na rua... e ela não quis saber, me disse que sabia que era fria e eu me sentindo péssima com tanto assédio e eu nada...
Às vezes eu não queria sair: sair pra quê se ninguém nota que eu existo? Mas eu ia, era pior ficar com a Marciana falando mal dos filhos e a Bruxa fazendo comida pra semana toda.

Hoje eu tenho consciência de que era um problema meu e que a RM me ajudava bastante, porque conversava com ela, inclusive do caso da Fofona me perseguindo e se ainda gostava do meu ex. Era a única pessoa com quem podia realmente contar, mas eu estava muito pra baixo pra perceber isso, senão, teria aproveitado mais.