domingo, 15 de maio de 2016

O emprego na lanchonete estilo francês

Eu ficava procurando emprego no Job Centre, um site de um local feito pelo governo inglês para se procurar emprego, na verdade, primeiro tive que ir até o local para me cadastrar... Na verdade, você pode procurar empregos só pela internet, mas fui até o local para ver se algo acontecia mais rápido.
Fica longinho perto do famoso bairro de Hackney, Madonna morou por aquelas bandas e tem uma vida cultural e noturna famosa. Longinho para que está do outro lado da cidade...

Fui chamada em dois locais para trabalhar, o primeiro que conto hoje era um bar/restaurante ao estilo francês, com música francesa e tudo mais. Ficava na região da estação St. John's Wood,  região de Maida Vale, onde fica a Abbey Road e a casa do Paul McCartney. Algo como morar no Alto de Pinheiros, quase uma Vila Madalena.

este ainda é de plástico, aquele era de ferro...
Conversei com o dono - marroquino há muitos anos na Inglaterra, falava muito bem o inglês - que me aceitou pro dia seguinte. Eu teria que limpar todo dia de manhã, por duas horas, o estabelecimento antes de abrir. Parece simples se eu não tivesse que levar um balde de carrinho super pesado e subir escadas com ele e ainda pôr a placa dos pratos do dia pro lado de fora do bar. 

 Trabalho realmente para homem e quem fazia antes de mim era um rapaz, que foi me ajudar no primeiro dia a mostrar o serviço que consistia em limpar toda a parte das mesas e cadeiras, banheiros e o lado de fora da loja. Não era muita coisa, mas eu teria que trabalhar todos os dias, sem sábado, sem domingo, todos os dias sem descanso por duas horas de manhã cedo.
Aceitei, precisava do dinheiro, é claro.

Trabalhei lá por duas semanas, o que me preocupava é que os sábados eu tinha que acordar ainda mais cedo, pois depois tinha que ir até a escola dar aulas de português para crianças e era longe. Também me preocupava o fato de eu querer em breve viajar e não poderia dia nenhum, porque eu trabalhava todos e isso pesou para que eu não ficasse.

O rapaz que me ensinou o trabalho não era inglês, lógico, acho que era palestino, parecia muito de saco cheio deste emprego e sempre dizia pra mim: "cuide  de você! não se preocupe se não conseguir, não vai se matar carregando esse balde, cuidado com as costas!".

Marciana e Bruxa do Centro-Oeste se sentiam realizadas me vendo acordar 6 da manhã, parecia que pra elas, agora, eu tinha valor, eu estava vendo a dureza que era viver em Londres (como se eu não soubesse já). Pegava dois ônibus, um até Lancaster Gate (fundos do Hyde Park) e outro que passava perto da estação de St. John's Wood para economizar, ao invés de pegar o metrô direto em Elephant & Castle (Bakerloo Line) até Baker Street.
Caminho com os dois ônibus

Até que teve um dia que esqueci a chave em casa... cheguei pra trabalhar cedinho no lugar e era eu quem abria o bar, não servia ninguém, mas o cozinheiro (brasileiro) chegava depois e continuava por lá antes de abrirem em definitivo.
Cheguei e esqueci a chave, no desespero peguei o metrô, busquei a chave e voltei, era rápido de metrô e ninguém descobriu que cheguei bem atrasada para limpar, mas fiquei só o bagaço de tanta correria, minha sorte é que minhas companheiras de casa já tinham ido trabalhar, o meu medo era encontrar uma delas pra me encher o saco.
Disse a elas desde o começo que era um emprego temporário, não pretendia mesmo ficar.
Levantar mesas, cadeiras, limpar tudo com aquele balde velho e pesadão, tirar placa de horário e pratos da casa não era a pior parte, a pior parte era ter que lavar banheiro, como sempre, e banheiro masculino também. Deixar tudo pronto em duas horas.
Às vezes eu ficava com fome e sede e não pensava duas vezes em beber alguma água de garrafa já aberta que era pro consumo dos fregueses, não ia beber a água da torneira, como uma vez me deu uma das meninas que lá serviam. E roubava (roubava sim!) uns biscoitinhos que eram pra um prato doce, tipo aqueles biscoitos que se põe em sorvete. Era cansativo e exaustivo, não tinha ninguém além de mim e eu aproveitava, como aprendi a fazer com o Império do Fado. Não vou dizer que era legal fazer isso, não era, mas eu precisava muitas vezes sentir algo bom pra ficar bem. Tomar água de garrafa era um prazer mínimo, mas era melhor que a água de torneira para quem trabalhava muito.

O cozinheiro brasileiro chegou mais cedo um dia que eu limpava e veio conversar comigo, falei dele no post anteior, morava lá há anos, casou com portuguesa e disse ser do Mato Grosso. Ele veio com arrogância pra mim quando ele me perguntou onde eu morava e eu "em Elefante" ele disse que mania que brasileiro tinha de abrasileirar tudo e blábláblá. Não quis abrasileirar por mania, achei que seria mais fácil a identificação com ele do que gastar meu inglês dizendo "Elefânt and Castol", e não é que lá veio mais um pra implicar comigo?

Depois de quinze dias disse ao dono que não poderia ficar, ele já tinha feito minha papelada do trabalho, estava tudo certinho, como se eu fosse registrada aqui no Brasil, e teria que pedir pra cancelar. Tanto que recebi o formulário do trabalho que fiz lá em casa, com o tempo e valor do trabalho.
Poderia ter ficado mais, eu sei, mas na minha cabeça só passava o foto de chegar atrasada na escola aos sábados e não ter nunca um dia de folga. Nem era algo que me importava tanto, mas o dinheiro sim, eu sei, mas esperava conseguir algo melhor.
Mas o sábado estava muito corrido, tinha que pegar o Overground, o trem que atravessa a cidade sem passar pelo centro, e pegar um ônibus até a escola. Fiz uma escolha, não me arrependo, era mais um emprego em que era abusada dentro das minhas possibilidades.


Caminho em vermelho, do Overground até Richond e o bus pra escola em preto




domingo, 1 de maio de 2016

Ser brasileiro no exterior

De tanto ver esses tempos os protestos de brasileiros que moram fora do Brasil tanto a favor como contra a nossa atual presidente, resolvi falar de como os brasileiros interagem sobre política quando estão fora.

Claro, pode ser uma visão até simplista ou de pouca valia, mas é com a qual convivi 18 meses fora do Brasil.

Marciana era coxinha, engraçado, muito engraçado, porque para ela tudo andava muito errado no Brasil de Lula/Dilma, mas ela estava ilegal em outro país, não pagava impostos nem aos britânicos, muito menos ao governo brasileiro. Então é muito fácil você falar mal dos que governam o seu país de nascimento e até o que você vivia escondida (sim, ela reclamava do governo britânico por ela não ter benefícios que quem está lá legalmente tem), super simples falar mal de todos e torcer para um apocalipse em que ela sairia sã e salva porque o Deus dela faria isso por ela, afinal, era uma mulher extremamente trabalhadora que precisava sustentar filhos marmanjos no Brasil e se os filhos dela também são coxinhas que abominam a bolsa-família, são muito do hipócritas porque a bolsa-família deles se chamava Marciana, uma faxineira ilegal na England.

Ela sempre falava que como ela ia fazer com o governo que estava no Brasil? Fazer o quê? Ela não vivia do outro lado do atlântico? Que tanto se metia na política do Brasil de longe... e como ela dizia: Brasil e Inglaterra precisavam muito de Jesus porque eram dois países pecadores e coitada, nasceu em um e foi 'obrigada' a viver em outro.

O povo da escola também era bem hipócrita. Ia ter um jogo do Brasil lá em Londres contra não sei se a Inglaterra, amistoso e falavam: eu vou no jogo com a camiseta do Brasil pra mostrar quem é que é bom!
Só que o bonzão do Brasil não pagava as contas e casas, terrenos comprados no Brasil... dependiam do país do timeco para terem bens duráveis no Brasil.

Tão bom que muitos não voltavam há anos, ou pelo preço da passagem ou porque estão ilegais e precisam de um passaporte novo. Que eu acho que já disse como se consegue um novo que  tem  4 anos ou mais de visto ultrapassado na Inglaterra, né? Só ir no consulado brasileiro e ficar na fila pra fazer um novo, dizendo que perdeu ou foi roubado... Bruxa do Centro-Oeste contava o golpe.
Eu acho que não disse que fui no consulado brasileiro e como ia pegar uma procuração nem tinha fila porque a de fazer um novo passaporte... é enorme e tem que chegar cedo!

Um cara em um lugar que trabalhei, e deve ser minha próxima postagem, se achava muito esperto e me disse que era do Mato Grosso (Goiás é bem do lado, desconfiei) que os brasileiros e suas brasileirices de falar os nomes do bairros já abrasileirados. Era um lorde, estava lá há bastante tempo, mas só voltou pro Brasil pra casar depois de 4 anos na Inglaterra e seu casou com uma portuguesa (entenderam o golpe?).
O golpe é o seguinte: você arranja alguém de passaporte europeu pra ficar tranquilo na Inglaterra, mas o que você faz? Arruma um passaporte novo e casa no Brasil com a pessoa, quando voltar pra Inglaterra você tem um passaporte não marcado e um europeu do seu lado que lhe garante as idas e vindas ao Brasil e morar tranquilo, como legal, na Zooropa.
Era engraçado esse cara porque pra mim a hipocrisia estava estampada e ele queria esconder e se achar melhor que os outros brasileiros - legais ou não.

Num centro espírita que frequentei (sempre fundados e mantidos por brasileiros), ficamos um domingo arrumando em caixas presentes para crianças de lugares pobres fora da Europa Ocidental que receberiam no Natal e uma moça começou a falar mal:

 - Vocês viram Tropa de Elite 2? Eu baixei o filme e assisti. É, mostra toda aquela podridão que é o Brasil, aquela merda de país que nunca vai pra frente, dá ódio de ver!

Eu não ia dizer que o Brasil é o melhor país do mundo porque não é, mas quando você baixa um filme da internet você também está sendo tão merda quanto seu país... não seja hipócrita, era o que eu deveria dizer a ela, mas fiquei quieta. E outra: ali não era lugar pra falar mal de nada e nem usar esse tipo de linguagem...

Eu assisti Tropa de Elite 2, fui num cinema que estava passando e me divertia com a legenda em inglês. O que a moça também poderia ter feito fácil ao invés de ser hipócrita.

Eu sou o tipo de pessoa que se irrita em ver as "pessoas de fora" protestarem tanto pelo Brasil: não é o Brasil que paga suas contas, então calem a boca!
Quando estava lá não dizia que o Brasil era melhor (apesar de ter chorado em Rio), muitas vezes xinguei estar na Inglaterra, mas sabia que era ela que não conseguia pagar minhas contas e meus impostos e do Brasil preferia me abster, porque nasci no Brasil, não escondia de ninguém, sentia saudade das pessoas e de coisas, mas não era ele que queria pra morar pra sempre, não o Brasil que temos e que deve ficar pior em breve. Tentava pensar no Brasil como o lugar da minha família e dos amigos, mas que não era perfeito e a Inglaterra também não era perfeita, por mais certinha que tentavam parecer, havia muita coisa errada, talvez culpa dos próprios imigrantes que tentavam burlar as regras e as regras se tornavam mais duras para quem estava lá legalmente.

O que acho realmente é que mesmo que você more fora, você não deixa de ser quem é, mas deveria tomar mais cuidado com falar bem ou mal do seu país ou o país onde está, acho que a primeira coisa é ver quem é que lhe sustenta a vida e parar de ser hipócrita e querer reclamar demais onde não deve e nem tem moral pra isso.