segunda-feira, 29 de novembro de 2021

Caiu a ficha

Levei quase 10 anos pra chegar à conclusão de que Londres não era meu lugar, estive em negação até um dia desses, agora acordei que se era pra viver como escrava, não valia mesmo a pena. Só com dinheiro e bom trabalho, o que não era meu caso.

Muita gente se ilude achando que as coisas podem melhorar, era meu caso também quando voltei, mas lembrando bem, minha vida era total tristeza, solidão e passar muita raiva (e tudo isso está aqui registrado).

Algumas pessoas que conheci lá conseguiam viver assim, conseguiam ter como casa apenas um quarto e criar ali seu mundo. Nunca mais voltar para ver a família (quando "indocumentados") e só mandar dinheiro para eles e continuar limpando casa e banheiro público.

Eu tinha muita fantasia, tinha muita esperança, mas eu percebi que o meu inglês, apesar de anos de estudo no Brasil, não era suficiente, meu curso de graduação também não, afinal, quem queria aprender português? Alguns poucos.

As pessoas se fecham, mesmo os brasileiros, se você não consegue se encaixar, sua vida é solitária apesar dos shows e dos lugares lindos que conheci. Amizade com inglês? Difícil. Amizade com estrangeiros? Eles acham que você é um concorrente ao trabalho e até ao "marido" (como no caso das portuguesas), com brasileiros: se ilegais não gostam de você por ter um passaporte europeu, têm uma inveja que só se apaga quando você acorda às 5 da manhã pra lavar banheiro como eles, brasileiros legais: "não vamos dar a receita, se você está se fu eu também me fu quando cheguei então não vou te ajudar" (uma grande maioria, conheci pessoas que não são assim, mas é um grupo fechado que você precisa encontrar).

As dificuldades são grandes pra quem, como eu, tem passaporte e conseguiu com grandes agruras toda a documentação para trabalho, mas se o seu inglês não é muito bom (algo como fluente no Brasil, porque o avançado no Brasil é o intermediário pra eles, fora o sotaque, já que no Brasil, mesmo no instituto que prega o britânico tive professor lá que falava igual ao Seinfeld). Se você é tímida como eu, se você acredita nas pessoas como eu, então Londres realmente não é seu lugar.

Não ligue pra aquelas fotos de quem mora lá e está em trabalhos humildes: eles não estão felizes, não se paga tão bem quanto se acha. Se você não conseguir um emprego legal que pode se sentir bem nele, esqueça. Desista. Fui o que fiz, mas não tinha essa dimensão porque eu não queria dar o braço a torcer e ver tanta gente que vai pra aqueles cantos e se dá bem, mas depende do que você quer dizer com o se dar bem.

Quando disse que ia embora de lá, uma brasileira que trabalhava comigo e era legal me disse: você está certa, a vida aqui é muito difícil, tenho saudades da família e de tudo, mas... (mas não queria dar o braço a torcer que era uma vida triste, quase isolada, como se você não existisse, como se não fosse absolutamente ninguém).

Demorei, mas consegui entender isso. Como disse, voltaria, mas em outras condições - nas que fui, nunca mais. Era decepção atrás de decepção, raiva em cima de raiva, cansaço físico e mental, muito choro e ranger dentes.

Isso porque ainda faltam uns 3 meses de Londres pra contar aqui (e vou contar! não desisti!), mas 90% já está aqui.

Corri atrás do meu sonho e descobri que ele era uma grande ilusão, igual ao Melô do Marinheiro dos Paralamas. Talvez se tivesse pessoas próximas ao meu lado o fardo não fosse tão grande, mas eu, como boa ariana, tive que me aventurar no tudo ou nada para depois poder dizer: quando eu morava em Londres rsrs

Valeu a pena? Tudo vale a pena se a alma não é pequena (Fernando Pessoa)