domingo, 29 de abril de 2012

O Império do Fado - parte 2: conhecendo personagens

Além de DarthVedrina, minha chefe amada, trabalhavam comigo outros conterrâneos dela - daí o Império do Fado -, algumas pessoas eram até simpáticas comigo, principalmente os homens, porque, como eu já disse: portuguesa, na grande maioria das vezes, odeia brasileira.

Elas me olhavam com um olhar que talvez nós brasileiros tenhamos herdado delas: aquele olhar de medir as pessoas e julgar. E nesse julgar aparente, já dava pra entender que eu havia sido condenada, sempre olhavam com cara feia pra mim e nunca me cumprimentavam.
Só que eu resolvi fazer diferente: chegava na prédio e no local que esperávamos pra trabalhar, cumprimentava a todos: "boa tarde! good evening!" (o último para as lituanas, a russa e o ucraniano). Isso, para as portuguesas, deve ter gerado um: como é metida! Mas eu só queria fazer o meu trabalho sem o peso do mau humor delas, que era contagiante!
Tinha uma que sempre estava de tão mau humor que até a fisionomia dela já tinha se moldado: as bochechas estavam sempre carrancudas, mesmo enquanto conversava, ou mesmo se ria de alguma baboseira, sempre acompanhando o jeito zangado de ser, os músculos já não saiam do lugar.

Não que português seja uma pessoa feliz, é só ouvir o fado para você saber que é da natureza do português - e porque eu tenho parentes, como você já leu aqui, portugueses. A maioria deles são fatalistas e não conseguem enxergar muito além do que vivem, não são pessoas esperançosas, uma grande maioria, principalmente os mais velhos e minha tia tinha até, digamos, um bordão: é assim a vida...

Só que esses não eram melancólicos, ou essAs, eram recalcadas.
Tinha uma que falava mais que a boca, o tempo todo com as amigas, eu passava por ela e ela empinava o nariz (como diriam os italianos la puzza sotto naso - o fedor debaixo do nariz). Minha vontade era virar para ela e dizer: olha aqui, eu sei de que buraco que você chama de aldeia você saiu, então, faz esse tipo de a poderosa pros seus patrícios quando você for lá e dizer que é executiva da limpeza em Londres.

O clima era ruim, as pessoas mal se falavam, só os portugueses quando se juntavam pra tomar café nas máquinas de café dos escritórios enquanto os outros que eram seguidos de perto por dona Darthvedrina trabalhavam.
Havia uma sala de máquinas de café, sucos etc no nono andar, o povo chegava e, ao invés de trabalhar, ficavam todos lá bebendo café e falando. Eu, mesmo trabalhando no segundo andar, tinha que passar todo dia ali para buscar e levar meu hoover.
Eu não tinha um aspirador pra mim, o do meu andar havia sido escondido numa salinha de materiais de limpeza por uma... (adivinha!), e ela que trabalha só duas horas por dia e mais faltava do que vinha, ficava com o hoover.
Meu miguxo por meses
Como eu sei que era o meu? Por que ele tinha escrito nele com caneta piloto "segundo andar fulana de tal" o nome da fulana que trabalhou no andar antes de mim, ou seja, o hoover era do meu andar e eu deveria usá-lo e não buscar um outro, em outro prédio, que tinha ligação com esse pelo nono andar (e só me contaram que tinha ligação também no meu andar muito meses depois) todos os dias e devolver, claro!
Então, eu passava todos os dias ali e ficava só olhando aquele bando que não fazia nada, deixava tudo sujo e só enganava - a limpeza em Londres sempre vai se encaixar em "para inglês ver" não vai ter jeito.
E a chefona deles compactuava com isso, mas para fingir que era chefe, ia praticar seu assédio moral na brasileira, na angolana e nas lituanas, além de uma russa.
Havia também um brasileiro que trabalhava lá, mas como ele trabalhava há anos ela já não tinha o que ficar no pé: era estável.
Esse espaço com as máquinas foi fechado depois, acredito que alguém do escritório viu a chacrinha que virava ali e mandou pôr na porta código, só os funcionários do andar sabiam e a russa que ali limpava e não dava o código aos portugueses que só a odiavam mais ainda.

Eu como instável fazia o possível para deixar tudo limpo, mas sempre Darthvedrina achava algo novo pra mim.

Havia um rapaz que pegava o lixo por vários andares, inclusive o meu, ele era a figura, ele e uma amiga dele que limpava os banheiros, mas passavam a maior parte do tempo batendo papo e perna pelos andares. Procuravam de tudo para "levar" com eles: bolos, bolachas, chocolates, qualquer quitute que o povo deixava nas mesas ou deixava numa parte para que todos comessem; usavam os cremes de mãos que o povo deixava nas suas respectivas baias, perfumes... o que eles encontravam pra usar e comer, eles pegariam, nem que fosse um lápis com um desenho diferente. Liam os jornais e revistas, levavam embora. Numa das baias havia até um recado: "depois de ler, não leve o SEU jornal para casa"... mas alguns nem entenderiam a ironia... duvido...
Eu costuma pegar revistas, mas as que já tinha jogado no lugar pra reciclagem de papel.
Esse rapaz passava e batia papo comigo, perguntava coisas sobre o Brasil, principalmente porque ele tinha a Record internacional e assistia ao Gugu e comentava. Ele adorava o Gugu, achava o cara mais do bem da face da terra...
Também queria saber se o Rio era daquele jeito que ele viu no Fast and Furious, no filme que se passa no Brasil, eu disse que não sabia, não conhecia o Rio.
Perguntava se eu era crente, porque a maioria dos brasileiros que ele conhecia eram, disse que não. Ele sempre perguntava se ia na igreja de domingo, porque os outros iam... disse que ia numa Casa Espírita e ele ficou com medo e eu disse que não era nada demais: que quando morremos não é o fim e que era uma doutrina que começou a ser difundida por um francês chamado Allan Kardec.
E ele: ah! o jogador do Benfica?????

Bem, eles também eram fanáticos por futebol e passavam, os homens, a maior parte falando de futebol (enquanto fazia aquela 'pausa' no trabalho), mesmo eles fazendo todo esse corpo mole por serem estáveis, eram simpáticos comigo, mas só, não espere mais que isso: nunca sabiam de outro trabalho, nunca sabiam de um quarto para alugar... todo mundo ali ajudava português, brasileiro, não.
Só que brasileiro também não ajuda brasileiro e... como fica?
Fica na merda... como fiquei...
Acho que eram simpáticos porque eu disse que meu pai é português, que tinha família em Portugal e todos serem Benfica.

Havia uma moça que limpava o banheiro do meu andar e outros; trabalhava ela e o marido, o marido também tirava lixo dos andares. O esposo era o tipo carranca mesmo. Até o dia que ela ficou doente e perguntei se ela estava bem, ele me continuou com a carranca e só falou "está", cara fechada para não ter mais papo...
Ela era simpática comigo, talvez porque era obrigada a dividir o mesmo espaço de materiais do meu andar comigo e o mesmo tanque para encher os baldes dos mops.
Ela sempre me sacaneava: ela limpava o banheiro feminino que ficava bem na entrada de uma das alas, jogava todo o resto da sujeira - que ela não pegava com o mop - no carpete daquele corredor. Todo dia eu era obrigada a limpar exatamente aquela parte daquele carpete, mesmo quando não era dia da limpeza pesada daquela ala. Todo dia eu era obrigada a passar o hoover ali, todo dia eu tinha que ir caçar uma extensão para o fio do hoover, porque ficava justamente longe das tomadas aquela parte.
Um dia, Darthvedrina estava no meu pé e viu aquela sujeira ali e veio reclamar e eu disse que era o que a moça da limpeza do banheiro jogava pra fora e o que ela respondeu?
Você tem que ser mais displicente e dar conta do SEU trabalho.
Deveria pertencer à Darthvedrina, ela precisava -
percebam o tamanho comparando com o porta durex
Sim, meu trabalho!  (Ah, em Portugal quer dizer que eu tinha que ser mais ágil -  esse uso do displicente - Vejam que eu sempre tinha que ser ágil, até para dar conta do trabalho mal feito dos outros.)

Ah! A mulher que limpava os banheiros no meu andar tinha um outro emprego de camareira num hostel, perguntei se tinha vaga, ela disse que não, que era pequeno e só ela e outra menina davam conta e mesmo nas férias de uma delas tinha a pessoa certa para cobrí-las.
Um dia ela disse que ia sair desse emprego, mas não ia indicar ninguém.

Um dia Darthvedrina se divertiu: me pegou passando o mop nesse resto de sujeira...
Ela finalmente mostrou um riso naquela cara de carranca, deve ter doído muito fazer força e mexer os músculos da face...
Fiquei morta de medo, precisava do emprego.
Outro dia Darthvedrina me dava a parede da copa para eu limpar: era coberta por uma espécie de massa que virava o tal do papel de parede deles. Ela queria que eu tirasse todas as marcas de café dali.
Explico: era a parte que ficava bem do lado do lixo, o povo jogava os copos de café e chá e, conforme jogavam, manchavam aquela parte, coisa de anos e como não era azulejo, não havia produto de limpeza que tirasse.
E ela dizia pra mim: limpe aí todo dia que você consegue tirar a sujeira.
Outro dia ela vinha e falava que eu não estava passando o hoover direito: que eu tinha que passar em cada cantinho perto dos batentes das portas, que eu tinha que tirar a parte da vassoura do aspirador e só passar com o cano para limpar tudo...
Eu me sentia tipo o Capitão Gancho ouvindo de longe o barulhinho do jacaré que vinha querendo comer minha outra perna....
Estava sempre alerta, mais que um escoteiro.
Porque ela sempre dizia: desse jeito não vai dar pra você ficar aqui...
Num dia de desespero total com medo de ser mandada embora eu subi nas mesas do escritório para limpar.
Sabe aqueles cantos que você não alcança?
Pois é! Eu sabia que seria ali que ela ia passar o papel para pegar a poeira e brigar comigo. Daí decidi subir em cima das mesas e limpar tudo, cantinho por cantinho. Sempre com medo que ela chegasse e me visse em cima das baias.
Até ir embora de lá, limpei dessa forma, em pouco tempo, não tinha muito porque limpar "galgando" baias, tudo tinha ficado limpo, era só passar uma "flica" (feather - no caso, espanador), como diria a portuguesada, e ficava tudo ok.

Nunca aquelas alas ficaram tão limpas quanto devem ter ficado comigo. Mais limpas que isso, só quando inauguraram - se é que limparam a sujeira antes disso... o que tenho dúvidas...

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